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Foto do escritorRemo Bastos

Socióloga australiana questiona cânone clássico da sociologia: Durkheim, Weber e Marx

Atualizado: 19 de out.


"O cânone familiar [os "clássicos" da sociologia] incorpora uma insustentável história de fundação [da sociologia] de grandes homens teorizando a modernidade europeia. A sociologia na verdade surgiu de uma ampla dinâmica cultural na qual as tensões do liberalismo e do imperialismo eram centrais. A expansão global e a colonização deram à sociologia sua principal estrutura conceitual e muitos de seus dados, problemas-chave e métodos. Após a crise do início do século XX [Segunda Guerra Mundial, Crise de 1929, surgimento do fascismo, etc.], uma profundamente reconstruída sociologia estadunidense surgiu, centrada na diferença e na desordem dentro da metrópole [focada apenas nos problemas internos do país, e sem questionar as raízes desses problemas]. A criação retrospectiva de um cânone “clássico” resolveu certos dilemas culturais para esse empreendimento e gerou uma pedagogia definidora da disciplina, ao preço de estreitar o escopo intelectual da sociologia e ocultar muito de sua história." (CONNEL, 1997, p.1511)

 

Neste artigo, a socióloga australiana Raewyn Connel argumenta que a institucionalização de Emile Durkheim, Max Weber e Karl Marx como os três teóricos clássicos da sociologia, cujas temáticas e obras publicadas teriam efetivamente fundado essa ciência, e influenciado os sociólogos posteriores a ponto de dar origem a escolas (de pensamento) sociológicas que dariam continuidade a suas respectivas perspectivas de análise, não corresponde à realidade de como de fato emergiu esse cânone.


Ela afirma que o cânone clássico da sociologia foi criado, principalmente nos Estados Unidos, como parte de um esforço de reconstrução depois do colapso do primeiro projeto de sociologia, o euro-americano, cujo fundamento era a superioridade racional e civilizatória daquelas civilizações. A Primeira Grande Guerra desnudou as contradições daquele projeto.


Connel sustenta que desde a publicação das primeiras obras, na última década do século XIX, até a terceira década do século seguinte, "não havia a percepção de que certos textos eram clássicos definidores da disciplina demandando estudo especial. Ao invés disto, havia uma percepção de um avanço amplo e quase impessoal do conhecimento científico, os notáveis sendo simplesmente membros líderes de uma multidão pioneira. Os sociólogos aceitaram a visão [...] na qual “o começo de qualquer ciência, mesmo simples, é sempre um trabalho coletivo. Ela requer o trabalho constante de muitos trabalhadores pacientes”“. (CONNEL, 2012, p. 312)


O artigo fornece farta documentação bibliográfica de que as temáticas mais presentes nos trabalhos sociológicos (livros, artigos, etc.) publicados  até os anos 1930 não coincidem com a problemática que o mito fundador dessa ciência atribui aos distúrbios suscitados pelas crises econômicas, sociais e civilizatórias causadas pelos efeitos do desordenado e incontrolável crescimento do capitalismo naquelas sociedade como a razão do aparecimento dessa ciência.

 

A socióloga revela que somente no final dos anos 1930 começa a construção do cânone, tendo a obra principal de Talcott Parsons, A Estrutura da Ação Social, publicada em 1937, como o texto desencadeador desse processo, inicialmente em favor de Emile Durkheim e Max Weber (com Alfred Marshall e Vilfredo Pareto aparecendo também na obra, com menor preeminência). Somente nos anos 1960, com a emergência das correntes mais radicais da Sociologia, Karl Marx foi incorporado ao cânone e completado a "trindade".

 

Connel também explica como a nova história fundadora substituiu a anterior e muitas descrições diferentes da construção da sociologia.  Segundo ela, todo este curso de eventos apenas pode ser entendido no cenário da história global, especialmente na história do imperialismo.


No mesmo ano da publicação do artigo o sociólogo Randall Collins publicou uma resenha crítica sobre ele, mencionado nas referências do presente artigo. Vale a pena a leitura, para que se possa conhecer algumas objeções à posição de Connel.

 

 

REFERÊNCIAS

 

COLLINS, Randall. A sociological guilt trip: Comment on Connell. American Journal of Sociology, 1997, 102.6: 1558-1564. Disponível em: < http://ereserve.library.utah.edu/Annual/SOC/7050/Stewart/guilt.pdf  >.

CONNELL, Raewyn. O Império e a Criação de Uma Ciência Social. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 2, n. 2, jul -dez 2012, pp. 309-336. Disponível em: < https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/85/50 >.

CONNELL, Raewyn.  Why is Classical Cheory Classical?. American Journal of Sociology, 102(6), 1511-1557. 1997. Disponível em: < https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/231125  >. PARSONS, Talcott. A Estrutura da Ação Social. São Paulo: Vozes, 2010.





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